O HOMEM"dito"CIVILIZADO (JeanJacquesRousseau)


"...Quando,de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens,
 tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, em que vemos os abismos entulhados, 
as montanhas tomadas, os rochedos quebrados, os rios tornados 
"in-navegáveis", terras cultivadas, 
lagos cavados, pantanais dissecados, mega-construções sobre terras, 
o mar coberto de navios, lanchas,
 e quando, olhando do outro lado, 
procuramos, meditando um pouco sobre as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, 
só podemos nos impressionar com a espantosa desproporção 
que reina entre as coisas, 
e deplorar a cegueira do homem, 
que, para nutrir o seu orgulho louco, 
na vã admiração de si mesmo, o faz correr ardorosamente 
para todas as misérias de que é susceptível 
e que 
a benfazeja natureza havia tomado o cuidado 
em que o homem vivesse afastado.

Mas, os homens são mesmo maus, uma triste e contínua experiência 
dispensa-se a prova; 
entretanto, o homem em sua natureza é bom, creio havê-lo demonstrado.

Então, que será, pois, 
que o pode ter depravado a esse ponto ? 

Serão as mudanças sobrevindas na sua constituição, nos progressos que fez e dos conhecimentos que adquiriu ?

Que se admire quanto se queira a sociedade humana, 
não será menos verdade que ela conduz necessariamente os homens 
a se odiarem entre si à proporção do crescimento dos seus interesses ? 

Que se pode pensar
de um comércio em que a razão de cada particular 
lhe dita máximas diretamente contrárias àquelas 
que a razão pública prega ao corpo da sociedade, 
e em que cada um tira os seus lucros da desgraça do outro ?

Não há, talvez, sequer um homem  abastado ao qual os seus  herdeiros ávidos, e muitas vezes os seus próprios filhos, não desejem a sua morte, secretamente.

Não há, sequer um navio no mar cujo naufrágio não constituísse uma boa notícia para algum negociante;

Ou uma só casa que um devedor de má fé não quisesse ver queimada com todos os documentos; 
ou um só povo que não se regozijasse  com os desastres dos vizinhos ?


E é assim que tiramos vantagens do prejuízo dos nossos semelhantes, 
e que a perda de um faz quase sempre a prosperidade do outro.

Mas, o que há de mais perigoso ainda é que as calamidades públicas são a expectativa e a esperança de uma multidão de particulares: 
uns querem as moléstias, 
outros, a mortalidade; 
outros, a guerra;
 outros, a fome.


...O homem da sociedade, é tudo bem diferente, trata-se primeiramente, 
de prover ao necessário, depois, ao supérfluo. 
Em seguida, vêm as delícias, depois as imensas riquezas, e depois os súbditos. 

Não há um momento sequer de descanso!

... De sorte que, após longas prosperidades, depois de haver devorado muitos tesouros e desolado muitos homens, o meu herói acabará por tudo arruinar, até que seja o único senhor do universo.

Se considerardes os sofrimentos do espírito que nos consomem, as paixões violentas que esgotam e desolam, os trabalhos excessivos de que os pobres estão sobrecarregados, em que  uns morrem de necessidades e outros dos excessos.

Se pensardes nas monstruosas misturas de alimentos, na sua perniciosa condimentação, nos alimentos corrompidos, nas drogas falsificadas, nas velhacarias dos que as vendem, nos erros daqueles que as administram, no veneno do vasilhame no qual  são preparadas; 

Se prestardes atenção nas moléstias epidêmicas oriundas da falta de ar entre multidões de seres humanos reunidos, nas que ocasionam a nossa maneira delicada do viver, as passagens alternadas das nossas casas para o ar livre, o uso de roupas vestidas ou despidas sem precauções, e todos os cuidados que a nossa sensualidade excessiva transformou em hábitos necessários, e cuja negligência ou privação nos custa imediatamente a vida ou a saúde. 

Se puderdes em dar-se conta dos incêndios e os tremores de terra que, consumindo ou derrubando cidades inteiras, fazem morrer os habitantes aos milhares; 
Em uma palavra, se reunirdes os perigos que todas essas causas acumulam continuamente sobre as nossas cabeças, sentireis como a natureza nos faz pagar caro o desprezo que temos dado às suas lições. "


(Jean Jacques Rousseau, França, in 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade'

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8 comentários:

Evanir disse...

Gostei muito de encontrar seu blog
já estou seguindo você sua postagem é excelente te espero no meu cantinho beijos no coração,Evanir.

blog da Paraguassu disse...

Olá querida amiga,
Russeau foi, sem dúvida alguma, um dos expoentes da literatura e o que nos apresenta, neste texto, não é nada mais do que acontece atualmente no mundo: seres a destruírem o que demoraram um tempo enorme a descobrir, um ataque mortal à natureza, um sem-fim de lutas contra o que Deus nos entrega para usufruirmos aqui neste mundo. Bela postagem. Gostei muito.
Um grande beijo,
Maria Paraguassu.

Anônimo disse...

Cada dia me surpreendo com a blogsfera..encontramos de tudo e esse com certeza é um cantinho de muito bom gosto e que vale apena visitar e seguir..E que texto, uau!

Shalom

http://nairmorbeck.blogspot.com/

Aclim disse...

O que está escrito em apocalipse vai se cumprir. Eo fim é tragico.

Mas quem sabe aindar esta um pouco de humanidade em nós.

Abraço amada

Rabisco disse...

Gostei muito deste texto.
Não conhecia.

Abraço

http://rabiscosincertossaltoemceuaberto.blogspot.com/

Artes e escritas disse...

Parabéns pela postagem! Um abraço, Yayá.

Patricia disse...

excelente texto que nos deja mucho para reflexionar y tener en cuenta.

un abrazo fuerte!

Smareis disse...

Russeau mostrou uma realidade vivida nesse mundo....O homem da sociedade, é tudo bem diferente, trata-se primeiramente,
de prover ao necessário, depois, ao supérfluo.
Em seguida, vêm as delícias, depois as imensas riquezas, e depois os súbditos. Parabéns pelo texto.Gostei de conhecer um pouco de seu espaço,acho que fico por aqui e te sigo. Venha conhecer meu espaço e me siga se gostares. Um abraço!

Smareis

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