O SEXTO SENTIDO ( Mestre e Poeta: Rubem Alves)



"... Como ferramentas os cinco  sentidos nos fazem conhecer o mundo. 
Como brinquedos os cinco sentidos me informam que o mundo está cheio de beleza. 
Eles são órgãos sexuais: com eles fazemos amor com o mundo. 
Dão-nos prazer e alegria.

Os cinco sentidos, para realizarem suas funções de poder e prazer, 
exigem a presença do objeto a ser conhecido ou a ser amado.

Para se sentir a beleza de um ipê florido é preciso que haja ipês floridos. 
Para se sentir o perfume de um jasmim é preciso que haja um jasmim florido.
Para se sentir o gosto bom de uma laranja é preciso que haja uma laranja.
E para se sentir a delícia de um beijo é preciso que haja uma boca que me beije.

Os cinco sentidos só fazem amor com coisas existentes, no presente. 
Eles vivem no "aqui" e no "agora".

Mas há um sexto sentido dotado de propriedades mágicas,
um sentido que nos permite fazer amor com coisas que não existem... 

Esse sentido se chama "pensamento".

Digo que o pensamento é um sentido mágico porque ele tem o poder de chamar à existência coisas que não existem e de tratar coisas que existem como se não existissem. 
E é dele que surge a grandeza dos seres humanos. 
O pensamento nos dá asas, ele nos transforma em pássaros !!

Beethoven estava completamente surdo. No seu mundo os sons não existiam. Mas do silêncio dos sons que não existiam ele fez surgir, no seu pensamento, a Nona Sinfonia, que canta a alegria da vida.

...O que não existe nos faz viver. Não vivemos só de pão. 
Somos comedores de palavras. 
E as palavras operam em nós estranhas transformações...

Que extraordinário exercício de alienação é a literatura ! Mergulhados num livro a realidade que nos cerca deixa de existir. 
Estamos inteiramente no mundo do pensamento.

...Na literatura, tornamo-nos criaturas dos muitos mundos da fantasia. Tornamo-nos personagens de uma estória inventada, "atores" de teatro.
Todo artista é um fingidor. Todo leitor tem de ser um fingidor.

Fingir, brincar de fazer de contas,
tratar as coisas que são como se não fossem 
e as coisas que não são como se fossem! 

É dessa loucura que surgem as mais belas criações da arte e da ciência.
Por isso eu me daria por feliz se a educação fizesse apenas isso:
introduzir os alunos no mundo mágico do pensamento
tal como ele acontece na literatura. 
Quem experimentou a magia do pensamento uma única vez
não se esquece jamais.

É nisso que se encontra "a virtude paradoxal da leitura, que consiste em fazer-nos abstrair do mundo para lhe encontrarmos um sentido."
( Daniel Pennac,Como um Romance,ASA, Portugal,p.17).  "


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